quarta-feira, outubro 12, 2005

No ônibus

Veja bem, o senhor. O olquimém é a pior coisa que existe no mundo; tira o silêncio da gente. Mas o olquimém não tem culpa; o coitado não tem vontade de fazer barulho. O pior são as pessoas. É, aquelas que acham que o silêncio é insuportável. Coisa de gente de idéia curta... Elas falam e falam sobre um e outro assunto sem ter mesmo vontade de falar - acho - só porque o vazio de som tem que ser preenchido. Aí, quando não têm com quem trocar palavras que nem peteca, inventam o olquimém. Pois é, acho que foi algum desses seres que habitam os salões de beleza que inventaram o olquimém. Pois o senhor sabe, não há lugar no mundo em que o silêncio seja mais proibido que no salão. O próprio ar parece que pede que você fale do tempo, ou do Vale a Pena Ver de Novo que sempre está no ar nas velhas tevês de 14 polegadas. E não é? Veja bem, o senhor. Tem a manicure que fica no cantinho, encostada na parede; uma dúzia de senhoras de cabelos pintados se revezam - duas ou três de cada vez - no visitar o salão sem motivo prático; aí tem os funcionários mesmos, aqueles que cortam o nosso cabelo: geralmente um viado e o resto mulheres também de cabelo pintado. De vez em quando tem o filho de alguém, mas aí não é regra. O que é importante, que, se o senhor não notou, ainda há de perceber, é que esse povo todo se posiciona de uma forma que você não pode se esconder. Quer dizer, pra onde você olha tem alguém olhando de volta, ávido pra esculhambar com seu silêncio. Por isso os espelhos tão grandes... Mas então? Eu digo, é em formação que eles ficam; quase que militar.

E o senhor deve de estar se perguntando: e o olquemém? Pois eu digo ao senhor. Pra mim não tem coisa mais desperdiçada que colocar olquemém durante viagem. Nossa, mas quanto de música que se gosta! Peraí, eu gosto de música e dança - o senhor mal não me entenda - mas é que o olquemém não existe por causa da música, o senhor convenha. A música e o rádio é pretexto pra machucar o silêncio e anular o pensar da gente. Pra quê, eu pergunto? Pra que eu vou me largar de pensar no monte de idéia que só tem a chance de ser pensada quando a gente tá de viagem? Em trânsito é que meu cérebro funciona melhor. É por isso que gosto de viagem longa, no lombo do ônibus ou da barca. Sem engarrafamento, claro. Porque, veja bem, engarrafamento não faz parte da viagem. Porque o estar parado querendo ir pra algum lugar não faz bem pra cabeça, só dá ansia de chegar mais rápido, não de pensar. Porque eu vejo a viagem como a ausência do tempo. Eu não entendo bem dessas filosofias, o senhor me desculpe, mas nas minhas viagens o tempo não existe, e pra isso o ônibus tem que estar se movendo. Quando o bichinho tá andando, é o vento no rosto que serve de mensageiro, e diz: "Senhor passageiro, suspendemos o tempo pra que o senhor possa se pensar um pouquinho. Aproveite a viagem". Mas aí a gente chega em Cascadura ou outra boca de garrafa dessas que tem nesse Rio de Janeiro, e o ônibus pára. Ah, não, aí o vento pára de também, e o relógio volta a correr. "Que horas devem ser?" - aí já era. Perdeu-se. Aí eu até aceito um olquemém.

Mas eu já tô digavando. O senhor me desculpe, eu só tô explicando porque devolvo o olquemém do senhor. Não quero isso não. E se eu fosse o senhor jogava fora ou fazia que esquecia dentro do salão de beleza. Esse negócio não faz bem pra cabeça da gente não. Ainda mais nessa cidade, eu digo. Por quê? O senhor veja, o que é mais irônico de tudo, e engraçado. Engraçado pra mim, porque o senhor não vai gostar de escutar. O senhor veja, o olquemém te tirou o silêncio, e além disso não deixou o senhor ouvir eu chegando. Se o senhor não tivesse de olquemém no ouvido, já tinha descido do ônibus, e agora não tava sendo roubado. Não, não quero esse troço não. Pode ficar. Até mais!

quinta-feira, setembro 29, 2005

Interditado

Esse blog está morto. Até segunda ordem.

terça-feira, agosto 23, 2005

Puft!

Era só a Mariazinha começar a pular corda que - puft! - ela desaparecia; deixava a mãe louca. "Mariazinha, o almoço está p... Oh, não. De novo?". Essa frase se repetia sempre, mas é claro que com algumas variações. Às vezes era a janta que estava p... ou então a Mariazinha tinha que estud... O que permanecia constante, posto que bizarro, era que quando a Mariazinha começava a pular corda, ela - puft! - desaparecia.

Pra onde ia, essa menina? A mãe já se perguntara isso várias vezes. Coitada; se nem eu sei - e olhe que sou eu que estou inventando essa história -, imagina a mente simplória e sem imaginação da mãe. Sem poder entender, e encarando aquilo como um ato de rebeldia da filha, lhe restava odiar a maldita corda. Se ela pudesse se livrar da maldita corda! Mas a filha adorava a maldita corda. A mãe estava lendo jornal, e estava lá a Mariazinha com a maldita corda. De repente - puft! - some a Mariazinha. Assim não dá, Marcelo (era o pai), essa menina tem que ir pro psicólogo. E o Marcelo ria.

O Marcelo ria mas a mãe se descabelava. E a Mariazinha, tadinha, não queria saber de nada. Ela só queria pular corda e - puft! - desaparecer. Isso a fazia tão feliz!

Não pensem vocês - que vivem pensando - que a Mariazinha era uma maníaca obsessiva-compulsiva mirim. Não senhores. A Mariazinha era uma das melhores na escola, e ninguém vencia ela na peteca e no queimado. Sem contar no pique-esconde, claro. Ela era uma garota como qualquer outra, tirando o fato de - puft! - desaparecer de vez em quando.

Vocês já devem estar adivinhando que, depois de quatro parágrafos de - puft! - desaparecimentos, a mãe já deva estar furiosa. Transbordando. E está, de fato. Aliás, nesse exato momento ela está no quarto da filha procurando a maldita corda. E ela está com uma faca de cozinha e um saco de lixo nas mãos.

Não preciso descrever a cena, não é? Aliás, acho que também não preciso descrever a tristeza da Mariazinha quando chegou em casa e - puft! - a sua tão querida corda havia desaparecido.

sábado, julho 02, 2005

Por quê?!

Foi o Daniel que fez a observação: "Calma, cara! Pra que subir correndo?", ou algo parecido com isso.

Porra; epifania.

Eu só subo escadas correndo. E desço também, mas descer correndo é muito fácil; a gravidade praticamente implora pra gente fazê-lo. Subir é outra coisa. Você só sobe rápido se for urgente; pra ir ao banheiro ou algo assim. Mas eu não consigo subir nenhuma escada sem ser correndo.

É claro que em escadas desconhecidas eu não tenho tamanho atrevimento. As escadas não gostam que você saia correndo em cima de seus degrauzinhos, a não ser que o relacionamento já seja longo e a cumplicidade entre os pés e os pisos já esteja estabelecida. Em suma: não corro na escadaria do Theatro Municipal, por exemplo, mas, por outro lado, não subo a escada da minha casa a menos de 60 quilômetros por hora.

Pois é, taí o fato. Mas e a causa? Aceito opiniões...

terça-feira, junho 21, 2005

Negócios

- Hmm, será que é por aqui mesmo?
Fazia muito tempo que o Diabo não subia até o Paraíso; sua memória já não era a mesma desde que ele inventou de fundar uma igreja própria e ir gabar-se dela para Deus. Contudo, o caminho estava certo, e, esperto como ele só, Lúcifer entrou novamente pelo velho atalho construído eras atrás. Ele odiava ter que passar por São Pedro; "aquele velho babão", murmurava enquanto subia a lodosa escadaria até a morada do Senhor.
- Lúcifer. Para que viestes a Mim? Não quero ouvir vossas estapafúrdias idéias hoje; estou com dor de cabeça.
- Que nada, Jeová! Venho a negócios... – O Diabo trazia aquele inconfundível sorriso de malícia que ele tão bem ensinara aos homens.
- Ora, essa é boa! E Eu lá trato de negócios convosco?
- Como não, se o acordo Vos é extremamente vantajoso?
- Ah, é? O bondoso demônio veio correndo oferecer-Me benefícios sem conta? – O sorriso irônico que ora se desenhava no canto da boca do Senhor também fora invenção de seu anjo caído, mas Ele gostara tanto que acabou adotando-o para si.
- Por que não? As práticas mercantis têm me ocupado o tempo; na Terra não precisam mais de mim.
- E desde quando Lúcifer conhece as artes do comércio?
- Ah, sim. Recebi há algum tempo no Inferno um libanês, alma avaríssima, que me ensinou algumas coisas. Em troca eu lhe aliviaria um pouco os tormentos. Pechincha vai, barganha vem, e o safado hoje está no Purgatório. Sim, fui logrado; mas aprendi muito.
- Então viestes lograr-Me também?
"Droga!", pensou o Diabo. "Deveria ter passado mais tempo com o libanês".
- Er... Claro que não. Por acaso árabes artimanhas podem vencer a sua onisciência?
- Por que não vais direto ao assunto? Está quase na hora da novela.
- Ah, sim, claro. Venho oferecer-Vos sessenta e cinco mil almas condenadas. E não é tudo o que tenho em estoque; esse é apenas o pacote promocional. Fiz um estudo de marketing, veja: é o nosso folder.
- Que bonito esses anjinhos dourados na moldura desse... Folder, não é?
- Sim, sim! Tenho uma excelente equipe de comunicação visual e publicidade. Os melhores do mercado.
- Estou impressionado.
- E ainda não vistes nada! Como sabeis, beleza não põe mesa, então de nada adianta um belo folder se a oferta não for de qualidade.
- Sessenta e cinco mil almas... "Começai a pagar daqui a 3.800 anos"?
- Não é espetacular? Além disso, se assinardes esse plano promocional, tereis 40% de desconto nos cinco próximos pacotes; pagos no cartão de crédito.
- Bem, até que é...
- É divino, eu diria! Com a vossa licença, é claro.
- Mas quem são essas almas?
- Ora, Senhor! Qual a diferença? Não são todos Vossos filhos?
- São, mas...
- Pois então! Informai-me o número do seu cartão de crédito, identidade, CPF... Não, peraí: Deus tem CPF ou CNPJ?
- Hmm, não sei não. Gabriel Me mandou um e-mail ontem alertando contra esse tipo de negócio, fácil demais.
- Tendes e-mail? Que maravilha! Então também podeis efetuar o pagamento pela internet, no site de qualquer banco multinacional da Terra; as sedes dessas instituições estão todas no Inferno.
- A novela está começando...
- Assinai aqui então, e ide ver a novela. Eu não vi ontem. O que aconteceu?
- Caio Roberto finalmente descobriu que é irmão de Beatriz.
- Bom, já estava mais do que na hora.
- É, mas eu achei desnecessário mostrarem aquelas cenas incestuosas; mesmo que inconscientemente, eles...
- Assinai, Senhor, assinai! Eu também quero ver esse capítulo.
- Está bem, Lúcifer. Eu assino. Mas, se Me enrolardes, entregardes uma alminha a menos, ou com defeito, vós sofrereis a Minha terrível ira.
- Que assim seja.
- Pronto. Ide; aproveitai que entraram os comerciais agora.
- Não vos arrependereis. Adeus.
Dessa vez o Diabo fez questão de sair pelo portão da frente. Puxou as barbas de São Pedro, roubou a corneta de um querubim e chutou a canela de um ancião que ali chegava. Ele não podia estar mais feliz.
- Otário! Nem leu o contrato. Bem que o Roberto Marinho me disse: "É só chegar na hora da novela, meu amigo. É só chegar na hora da novela..."

quarta-feira, junho 08, 2005

Privacidade genética

Buiú, o universitário ocioso, conversava alegremente com o Moreira no pátio de sua faculdade, quando F.D., 19, apareceu. Lívida, despenteada, ofegante, ela parecia ter acabado de terminar a corrida de São Silvestre. Não, minto; pela sua aparência, poderíamos dizer - sem medo de errar - que ela não só tinha corrido a maratona, como tinha idealizado, organizado, realizado, e, além disso, construído a pista de corrida com as próprias mãos. Tudo em um só dia, tal era o estado da pobre F.D.

A animada conversa estacou de súbito, e o Moreira, que falava com seu cachimbo na boca, engasgou com a fumaça. Imagino que engasgar com fumaça não seja possível, mas também não é possível que um coronel do exército epiléptico imaginário fume cachimbos, então não apago a frase. Pois sim, o Moreira engasgou com a fumaça; ela ficou atravessada na sua garganta, assim como as duas faixinhas rosas do teste de gravidez que F.D. segurava na mão ficaram atravessadas no seu olhar.

- O que é isso? - perguntou o Buiú. O Moreira tossia.

- Estou grávida. - A pobre F.D. tinha os olhos cheios d'água.

- Grávida? Er... Parabéns?. - Nesse ponto a pobre F.D. desatou a chorar, e o seu pranto formou uma harmonia musical com a tosse do Moreira, produzindo uma grotesca sinfonia. O Buiú, parece, não era muito chegado a música erudita contemporânea, pois logo interrompeu a apresentação com uma voz alterada:

- Você não querendo dizer que...
- Você é o pai, Buiú! Quem mais poderia ser? - A pobre F.D. estava exasperada com a reticência do ficante. Ela esperara um pouco mais de compreensão.

- Eu?! Impossível! Sempre tomei providências para...

- E daí? Aqui está a prova! Veja, duas faixinhas rosas! Positivo! - A conversa começava a chamar um pouco a atenção, pois F.D., se já falava alto normalmente, imagina numa situação dessas.

E o Moreira ainda tossia.

- Ora, bolas! É a prova de que você está grávida! Ou por acaso essas faixinhas formam o meu nome em letras bastão?

O Buiú não deixou de sentir um certo orgulho pela piadinha espirituosa, mas o bom senso, escondido em algum lugar da sua alma, mexeu os pauzinhos para que ele não sorrise e fizesse aquela cara de "Que genial!". F.D. não podia acreditar em tamanha cafajestagem. E o Moreira nem ouviu a piada, pois ainda tossia como um tuberculoso.

- Buiú, eu não acredito. Você, além de se eximir de responsabilidade, ainda está insinuando que eu...

- Eu não estou insinuando coisíssima nenhuma. Todo mundo sabe. E depois, não somos nem namorados, então qual o problema?

- Então tá Buiú. - A raiva de F.D. agora se misturava com um pouquinho de embaraço. Além da tosse do Moreira, poderia-se ouvir alguns risinhos zombeteiros. - O teste de DNA vai dizer se eu estou certa ou não.
- Não vai não.

- Como?

- Não vai não. - O Buiú sacudia firmemente a cabeça, enfatizando bastante as palavras. Enquanto isso, batia forte nas costas do Moreira, que ainda não parara com o acesso de tosse. - Me recuso a fazer esse teste. É um absurdo! - Ele agora estava de pé, e gesticulava muito. - Esse teste é uma violação da minha privacidade genética. Imagine se eu vou deixar as minhas adeninas e guaninas à mostra. De jeito nenhum!

E o Buiú não parou de falar por um bom tempo. Exaltado, esbravejou contra a medicina, a sociedade, o Estado e a Igreja. Meteu até Gilles Deleuze no meio, repetindo mil vezes que esse teste era a Sociedade de Controle por excelência. Ele falou tanto, e estava tão alterado, que nem percebeu o Moreira se tremelicando todo no chão, no meio de outro ataque. E a pobre F.D. ficou lá, de olhos arregalados e boca aberta. "Quem é esse tal de Deleuze? Um ginecologista?", se perguntava a coitada.

quinta-feira, maio 26, 2005

Enchendo lingüiças

Coisas inteligentes. Dizê-las não é tão difícil assim; em cada esquina, papo - de bêbado ou de sóbrio - há algumas sendo soltas por aí. Porque coisas inteligentes não estão só nos livros acadêmicos - ou na xerox dos mesmos -, e podem surgir até sem querer. Até um espirro pode ser inteligente, dependendo do momento.

Algumas das coisas inteligentes que eu lembro de ter ouvido recentemente:

"Foi o Elifoot que acabou com o botão". (OBS: Essa só entende quem foi adolescente - do sexo masculino - em meados da década de 90. É necessário ressaltar: adolescente normal, na média; daqueles com vírgula depois do número)
"Que tal apertar o 'power'?".
"Que caneta? Essa que está na sua mão?".
"Vvvooommmm..." (Onomatopéia: sabres de luz do Star Wars)
"Foi um morcego; cocô de pombo não é assim".

sexta-feira, maio 13, 2005

Preparação

Buiú, o universitário ocioso, passou o dia quieto demais, e o Moreira - amigo imaginário e coronel do exército epiléptico - já estava ficando impaciente. "Não vai me dizer, Sr. Buiú, que você está com medo da sexta-feira XIII?". "Hã?", gemeu o Buiú na garupa do garanhão, que trotava na calçada; ele estava muito distraído olhando para o alto dos prédios para responder coerentemente. Depois de o Moreira tomar ar para repetir sua pergunta, mas antes que ele a repetisse, o Buiú pediu: "Se importa de ficar embaixo das marquises? Não quero levar uma tijolada na cabeça no meio da Rio Branco". "Argh!" - o Moreira fez uma careta - "Poupe-me das suas superstições! Hoje, meu caro, é uma sexta-feira como outra qualquer". "Não é da sexta-feira 13 que tenho medo, Moreira. É da quinta-feira 12". Nesse momento o cavalo do Moreira empacou. Ainda penso que o fez para ouvir melhor a besteira que o Buiú dissera e que, sem dúvida alguma, complementaria. Merece até um novo parágrafo.

"Quinta-feira XII?!". Não, não foi o cavalo que perguntou; foi o Moreira mesmo. "Sim, Moreira! É na quinta-feira, número 12, que reside o Azar e toda a sua família". Buiú abriu um parêntese, meteu um sorriso de "gostei da minha própria metáfora" lá dentro, fechou o parêntese, e continuou (o cavalo parecia então mais atento do que nunca): "Moreira, você acha que tudo acontece instantaneamente, da noite pro dia, do nada? Você é veterano de guerra, sabe muito bem que o resultado de uma batalha só vem depois de dias de preparação". Buiú estava empolgadíssimo, e nem percebeu o esboço de protesto de seu amigo imaginário. "Da mesma forma, a tijolada na cabeça não acontece de uma hora pra outra. Com certeza foi na quinta-feira 12 que um pedreiro idiota deixou o tijolo na borda do andaime. Não na sexta-feira 13, porque, na sexta-feira 13, o idiota do pedreiro toma todo o cuidado do mundo para que não aconteça uma fatalidade". Ao dizer isso, o Buiú deu uma olhadela pro alto de novo, e, estando o céu limpo de tijolos inopinados, lubrificou a garganta de poesia e arrematou: "Nem tudo é o que parece. Nem mesmo o próprio tempo". O Moreira ficou calado e pensativo; o cavalo parece que foi convencido, pois voltou a andar, tranqüilamente, por uns 100 metros. Logo teve que parar: o Moreira tivera outro ataque.

quarta-feira, maio 11, 2005

Conversa fiada

"Qual é a cor da sua cueca?"

Para o Souza, essa pergunta caía muito bem em qualquer conversa fiada. Uma vez, no elevador: "Tá calor, não?". "Pois é. Qual a cor da sua cueca?". Todo papo-furado era a mesma coisa. Quando mudava o sexo do seu interlocutor, mudava o gênero da roupa íntima. Mas invariavelmente vinha pergunta, fosse no ônibus, elevador ou fila de banco. Era uma mania, aliás, e não sou eu quem diz isso. O próprio Souza dizia. Para você, leitor, que no momento ri - ou, no mínimo, balança a cabeça negativamente -, ele argumentaria: "Como vou saber a coloração da peça íntima de alguém sem perguntar? Pelo menos - na maioria dos casos - elas estão escondidas. O que é estranho, pra mim, são aquelas pessoas que perguntam do frio quando todos sabem que está frio. Estou errado?". Caso a fala fosse realmente do Souza - e não uma imitação zombeteira dos colegas de repartição - ainda teria aquele "Hein?" triunfal no final da frase. Se você ainda está rindo, é porque nunca ouviu aquele "Hein?".

Mas, de qualquer forma, não vou dizer que essa mania do Souza lhe rendeu amizades ou admiração; rendeu-lhe esse conto, ao menos. Póstumo. Pois sim, o Souza já partiu dessa pra uma melhor. Pobre Souza. No seu velório, fizeram-lhe um belo discurso, proferido pelo Freitas, da repartição. Sempre pensei que os discursos - quando haviam - eram feitos no enterro. Mas enfim, esse foi no velório. Ao fim de 5 minutos de verborragia alguns choravam; outros riam; a maioria fazia as duas coisas. O danado do Freitas mencionara a mania do Souza. Pobre Souza. Sempre pedira para ser enterrado com a bandeira do Brasil, que tanto amava. Meteram-lhe debaixo da terra com um punhado de cuecas.

segunda-feira, maio 09, 2005

Papo de segunda (feira)

Futebolística

O que há com o Botafogo? Três jogos, três vitórias. Se chegar na sétima - número cabalístico -acho que o mundo acaba.

Por falar de futebol...

Buiú, o universitário ocioso, voltava de São Januário na garupa do Moreira, que ia bastante irritado com a derrota do Vasco para Aquele Time. "O nosso center-for deveria jogar peteca, e não futebol!", esbravejava. "Calma, Moreira! Assim você vai ter outro ataque. E que diabos é center-for?!". Eles estavam na Avenida Brasil, já quase em Irajá, onde moravam. Engarrafamento. O Moreira embicou o garanhão pra faixa seletiva - valendo-se da sua alta graduação militar - e continuou reclamando, ignorando a pertinente pergunta. "Ah! Áureos tempos em que o Vasco da Gama era grande! Você é muito novo, não viu o que eu vi. Não viu as triangulações de Tetinho, Totinho e Madureira, nem as defesas felinas do Juliano Medeiros. Ah! Áureos tempos!". Buiú franziu a testa. "Moreira, o Vasco nunca teve jogadores com esses nomes. Aliás, provavelmente time nenhum teve". Buiú estava muito apreensivo. Assim que percebeu que o seu amigo imaginário começara a delirar, percebeu também que estava de carona com ele no meio da Avenida Brasil. Uma queda seria fatal. "E aquele center-for? Ah, o Marciano! Que center-for! Que jogadas!". E lá vinha aquela palavra esquisita de novo. "Porra, Moreira! O que é center-for? Presta atenção no trânsito!". "Sr. Buiú, o Marciano faria esse nosso center-for parecer uma mulherzinha perneta!". Então finalmente aconteceu: o Moreira teve outro ataque. Buiú só teve tempo de falar "merda!" antes de cair do cavalo, sem saber o que diabos era center-for.

quinta-feira, maio 05, 2005

Subterrâneo

Paulinho teve um amor de metrô. É, de metrô. Começou na Saens Peña e durou três estações; Paulinho teve que descer no Estácio. Enquanto o trem ia embora, ele tentava - pelo menos isso - um esbarrão de olhares com a sua amada, que sentava e ignorava que fora a sua amada durante três estações (Veja bem, não foram duas, mas três estações). O trem se foi finalmente, e o Paulinho ficou quase só na estação, onde ecoava a "Tristesse" de Chopin. Quase só: a música soava como uma mão amiga no ombro, e o Paulinho saiu assobiando. Lá fora estava um belo dia.

sexta-feira, abril 29, 2005

"Mas Carolina não viu"

Heroína. Essa era a favorita da Carolina. E o Coelhinho Roxo era o seu traficante predileto; ele vendia a mais pura. Agora, diante da porta que a levaria de volta pra casa, a Carolina queria mais um pico.

Carolina era loira, drogada e descrente. E muito. Já estava há exatos 436 dias no País das Maravilhas e ainda não acreditava em nada do que via. Agora mesmo, tinha acabado de dar os 65 dólares nas patas do Coelhinho Roxo, mas não estava nem aí. O dinheiro não faria falta mesmo. Afinal, o que não existe não faz falta. "Peraí, há quem diga o contrário", protestou o Coelhinho Roxo. Ele tinha a péssima mania de ler os pensamentos da Carolina. "Por favor, sem intimidades filosóficas. Dê-me o troco, ande". "Que troco, Carolina?". "Ora bolas! Você me deve 1 dólar e 75 centavos!". "Carolina, você já é uma viciada terminal. Faça-me o favor de olhar com mais atenção a minha tabela de preços", respondeu o Coelhinho, impaciente. Ele havia tirado um pequeno e amarelado papel do bolso do paletó, e estendia-o para ela. Carolina pegou, olhou e tirou o arzinho metido da cara. Foi embora. Para onde? Para o primeiro parágrafo.

Pois então. À frente da Carolina estava a tão procurada saída do País das Maravilhas. O problema era que nas suas mãos havia a entrada para o País das Maravilhas. Era como se estivesse entre dois espelhos, portanto a confusão da coitada seria bastante compreensível. Seria. Verbo "ser" conjugado na terceira pessoa do singular do futuro do pretérito do indicativo. Carolina não estava confusa. Aliás, Carolina estava muito à frente dessas palavras aqui, pois ela já tinha injetado a droga há muito tempo. "Uhu!", já pensava ela enquanto eu digitava a metáfora dos espelhos.

terça-feira, abril 26, 2005

Do morango gigante e o coronel epiléptico

Buiú, o universitário ocioso, saiu pensativo da aula de marketing. "Está tudo errado com o morango", falou. "Nem a banana, a maçã ou qualquer outra fruta concorrente tem o potencial de consumo do morango. Ele é bonito, gostoso e, o melhor de tudo, tem uma marca forte. Não tenho dúvidas de que seja top of mind na cabeça do consumidor; o morango tem uma imagem associada à paixão, ao prazer e ao requinte; e nem é tão caro assim. Então a pergunta é: Por que se come mais maçãs e se toma mais Coca-Cola - pra falar de um concorrente indireto - do que se come morango?". Sua fisionomia era a daqueles discursantes que faziam perguntas retóricas como se fossem os últimos guardiães da resposta. Mas estavam cansados do fardo, e, orgulhosa e majestosamente, cediam o conhecimento à platéia ignorante.

O Moreira, que acumulava os títulos de coronel do exército epiléptico e de amigo imaginário, ajeitou-se na sua montaria, ereto e pensativo. "Deve ser a taxa de juros", arriscou despretensiosamente, coçando as dragonas enferrujadas. "Não, rapaz. Você anda lendo muito jornal. Se eu estivesse no Desenvolvimento de Produto, o morango seria líder de mercado". "Então o que é?", o Moreira agora coçava as suíças. "O morango..." - Buiú fez uma pausa para dramatizar - "... é muito pequeno, Moreira". O universitário encarava seu amigo, com um sorriso triunfante. Se ele tivesse um charuto, com certeza daria um tragada - também para dramatizar. "Não existe continuidade no consumo do morango. A pós-modernidade exige rapidez e dinamismo, e o morango não permite isso. É, como já disse, muito pequeno. As pessoas não querem ficar comendo morango que nem uva. Uva tudo bem, o diferencial dela é comer uma bolinha por vez. Mas o morango não; o morango deveria ser do tamanho de uma manga. Ou de uma jaca".

"Mas isso é absurdo!", protestou o militar. "Se Deus fez asim, é porque é melhor assim", acrescentou, mas com tanta segurança que eu me sinto tentado a colocar um ponto final no diálogo. O Moreira teria gostado disso, mas aí eu não corresponderia ao rigor jornalístico, porque o Buiú logo redargüiu: "Deus fez assim porque o seus anjos estudaram na Estácio! O morango foi feito para ser consumido a largas mordidas, meu amigo, e, se o Senhor tivesse o mínimo de... Droga. De novo, Moreira?". Buiú teve que parar a sua brilhante exposição; o Moreira tivera outro ataque e caíra do cavalo, se tremelicando todo no chão.

sábado, abril 23, 2005

Enquanto isso no quintal...

"Quero morrer!", gritou ele. Ele só sabia falar gritando. "Ai, ai", suspirou ela. Ela só falava por suspiros. "Isso não é vida pra um diplópode evoluído como eu!", gritou de novo. "Ô, Zé. Deixa disso e vem cá com a sua gongôla", suspirou com um ar irresistível pra qualquer diplópode - mesmo os mais evoluídos. "A vida não tem mais graça, mulher! O Quintal virou um caos!", gritou mais uma vez. "Ai, Zé...", suspirou. "Pois não virou? Olhe à sua volta! As frestas estão um nojo, há aranhas por todos os lados, meu filho casou com uma lacraia e você está gorda como uma lesma!", gritou. "Ah... Cala a boca, Zé!", suspirou. "Lesma! Baleia!", gritou. "Hã?! Baleia? O que é isso?", suspirou. "Ora bolas! É um mamífero, sua ignorante!", gritou. Antes que houvesse um outro suspiro, Marquinhos, o filho do dono da casa, veio correndo e pisou nos dois.

Corta. VEEERY Extreme close-up na sola do chinelo do Marquinhos:

"Meu Deus! Quanta gosma! Eu não vou comer isso neeem morta", desprezou ela. Ela desprezava tudo. "Ai, ai", gemeu ele. O negócio dele era gemer. "Ora, Orlando! Vai me dizer que esses diplópodes são tragáveis? Eeeca, acho que isso é o fígado dele!", desprezou. "Cala a boca e come, mulher", gemeu. "Orlando! Você está achando que eu sou um staphilococus ou algo assim?", desprezou. "Ai, lá vem de novo...", gemeu. "Eu sou um bacilo! E não um bacilo qualquer!", desprezou. "Lá vem a história da tuberculose...", gemeu. "Lembre-se que MEU pai serviu ao Bacilo de Koch!", desprezou. "Puta que pariu, nem posso mais comer em paz", gemeu.

Fade-out. THE END. Obrigado pelos 11 reais do ingresso, otário.

sexta-feira, abril 22, 2005

Momento boçalidade

uuuuuuuuu
b
b
b
UUUUUUU


"Us piqueno bdesce us grande". Lembrei dessa palhaçada "12 anos" outro dia. Morri de rir. Você, que está achando o título desse post muito adequado, deveria rir também. O título é pra você. Mas a piada também.

Diálogo improvável

"Boa tarde, sexta-feira!", disse eu. "Boa tarde, Bernardo", respondeu a sexta-feira. "O que você vai fazer hoje à noite? Afinal, é sexta-feira!", joguei conversa fora. "Hã?!", não entendeu nada.

domingo, abril 10, 2005

Driblar ou dibrar?

Corrigindo o último post, "hoje o Fluminense começa a decisão (...)". E que jogo! Como é esquisito ver o Túlio dando dribles, ou, como dizíamos na infância (e as crianças entendem muito mais de futebol que os adultos): dibrando. Quem conhece futebol, e mais especificamente o futebol do Túlio, sabe que vê-lo dibrando é o mesmo que ver avestruz voando sobre as nuvens.

Devia estar em Niterói nesse momento, mas estou aqui firulando. Droga. Ponto.

Domingo qualquer

Hoje o Fluminense decide o campeonato carioca com o Volta Redonda. Para completar o cenário surrealista, duas pilhas AA fazem parte da decoração da minha mesa e encontrei larvas de algum bicho estranho em um exemplar da Eneida, de Virgílio.

sábado, abril 09, 2005

Sabadão sertanejo

Calor ensebante, casa vazia, geladeira sem graça e monitor azul. O sábado podia ser pior?

Peraí...

Tava reparando hoje que nunca lembro dos textos, literários ou não, que já li. Não sei citar, e sou péssimo na paráfrase. Parece que eu não faço leitura, faço digestão.

Primeiro post

Atchim!
Ahá! Aposto que ninguém nunca começou um blog com um espirro. Permitam-me ser o primeiro.