domingo, janeiro 28, 2007

Dois mundos

Ela passa mulher na calçada
Todas as sombras abrindo caminho
Onde pisa só pode haver luz
Que a vida não esconde o que é lindo

E mil poetas cantarão sua beleza
Outros tantos sorrirão com tristeza
Ao ver a mulher do mundo passar

Há o fascínio nos olhos
Até os cegos podem vê-la a andar
Há o sublime do corpo
É a mulher de todos que podem sonhar

Em seu caminhar descuidado
Não percebe da cidade os desejos.
Espalha à vontade os encantos
Mas reserva para si seus segredos.

Ah! Dono da sorte do mundo
Eu que a vejo menina.
Eu que ouço em seus olhos
Perdidas canções infantis.
Eu que pude ler em seus lábios
O amor de criança
Seus pés sujos de doce e de dança
Sou dono do seu segredo de atriz.

sábado, janeiro 06, 2007

Quatro parágrafos amarelados

Lá fora a chuva chove; molha os ossos da cidade, quebra as vidraças do conforto, umedece a pintura da vida. Aqui dentro ela também chove; molha a garganta, quebra o silêncio e o tédio, umedece a pena da imaginação. Amarelada de indiferença.

Lá fora a chuva chove; come os cantos das ruas, come os insetos das casas, come os pés das camas e as lágrimas dos olhos. Aqui dentro a chuva também chove, e também come. Come o calor, come os mosquitos, come o medo do escuro. Não come as lágrimas; lava-as. Amareladas de indiferença.

Lá fora a chuva mata. Um, dois, três, setenta vírgula oito por ano. Aqui dentro ela traz o lanche na bandeja. Biscoitos. Um, dois, três, oitocentos por mês. Há mais biscoitos que mortos. Rimos disso com farinha nos dentes. Amarelados de indiferença.

Dia seguinte a chuva seca. Evapora. Sobe, sobe, levando consigo terra, reboco e passado. É leve demais, não vira nuvem. Dispara pra cima, ultrapassa os céus, sobe até aquele lugar onde mesmo Deus precisa levantar o pescoço pra ver. Aqui dentro a chuva também seca. Evapora com o calor dos fogões e das televisões. Mistura-se ao meu suor, e sobe. Sobe, levando consigo sonhos, risos e a saudável hipocrisia. Leve como o nada, é certo que nuvem será de novo, e sempre. Roncará, e depois cairá, chuva mais uma vez. Amarelada de indiferença.