sábado, janeiro 06, 2007

Quatro parágrafos amarelados

Lá fora a chuva chove; molha os ossos da cidade, quebra as vidraças do conforto, umedece a pintura da vida. Aqui dentro ela também chove; molha a garganta, quebra o silêncio e o tédio, umedece a pena da imaginação. Amarelada de indiferença.

Lá fora a chuva chove; come os cantos das ruas, come os insetos das casas, come os pés das camas e as lágrimas dos olhos. Aqui dentro a chuva também chove, e também come. Come o calor, come os mosquitos, come o medo do escuro. Não come as lágrimas; lava-as. Amareladas de indiferença.

Lá fora a chuva mata. Um, dois, três, setenta vírgula oito por ano. Aqui dentro ela traz o lanche na bandeja. Biscoitos. Um, dois, três, oitocentos por mês. Há mais biscoitos que mortos. Rimos disso com farinha nos dentes. Amarelados de indiferença.

Dia seguinte a chuva seca. Evapora. Sobe, sobe, levando consigo terra, reboco e passado. É leve demais, não vira nuvem. Dispara pra cima, ultrapassa os céus, sobe até aquele lugar onde mesmo Deus precisa levantar o pescoço pra ver. Aqui dentro a chuva também seca. Evapora com o calor dos fogões e das televisões. Mistura-se ao meu suor, e sobe. Sobe, levando consigo sonhos, risos e a saudável hipocrisia. Leve como o nada, é certo que nuvem será de novo, e sempre. Roncará, e depois cairá, chuva mais uma vez. Amarelada de indiferença.

6 comentários:

Anônimo disse...

muito bonito esse texto.

seus parágrafos estão amarelados, mas essa chuva me parece uma lavada muito boa. Tanto que até Deus olha pro alto para ver até onde ela evapora de tão leve.

sobre cordinhas de eslástico amarradas na cintura, acho que tem uns limites tênues onde é dificil ser & se escrever. Mas nunca se sabe, se um dia a corda arrebenta...

beijo

Anônimo disse...

E aqui a chuva sempre molha... acende... trasncende, mas nunca apaga.

Malditamente molhado.

Anônimo disse...

Mas desde que não fique amarela de indiferença à nós, malditas mulheres...esperamos você porstar novamente e aguardamos nova visita...estamos saudosas, já.
Beijos, beijo.

[http://malditasmulheres.blogspot.com]

Edilson Pantoja disse...

Muito bacana! O texto é de uma competência no que diz, que não há nem tanto o que falar sobre. Acho que... Parabéns! Abraço!

Anônimo disse...

É, Bernardo, chove na blogosfera e tomara que oq escrevemos seja fértil para brotar idéias, discussões, enfim!
Sucesso pra vc
Abração!

Anônimo disse...

Amarelo é tão cor quanto o branco, o vermelho, o azul, o verde. Também tem seu lugar.

Bonito texto.