sábado, janeiro 28, 2006

Exumação

Esse texto aqui cheira a mofo. Trata-se da minha primeira - e única - coluna para uma malfadada empreitada que tive no início da faculdade: o 30segundos.

A simpática idéia consistia em um programa na tv universitária + um site cujo tema fosse a publicidade. Ambos não foram à frente, e não sinto muita falta, vista a minha quase ojeriza à publicidade hoje em dia.

Mas o texto não é mau. Ignorem os erros de pontuação. ; )

A Primeira Vez

Tenho o orgulho e a honra de publicar o primeiro de muitos textos do 30segundos. Como já ficaram roucos de tanto dizer: "A primeira vez a gente nunca esquece". Pois é. Experiências novas sempre nos marcam, sendo elas prazerosas ou intensamente dolorosas.

Quem não se lembra da primeira vez que foi picado por uma abelha? Eu me lembro. Estava na piscina de um clube, nadando, feliz com minha infantil ignorância sobre o ferrão desses animaizinhos. Quando fui sair, apoiando minhas mãozinhas tenras nas bordas da piscina, um levado zangão (ou abelha. Sei lá, é tudo igual.) que tomava sol por ali resolveu me machucar. Deleitando-se na sua eterna maldade selvagem, meteu-me um ferrão na palma da mão direita. Tudo bem, eu o estava esmagando com a força que fazia para sair da piscina, e você pode argumentar que ele não teve tempo para pensar direito, pois estava morrendo, mas eu ainda hoje acho que ele fez aquilo por prazer. Desnecessário dizer que chorei que nem uma criança (afinal, eu era uma criança) frente àquela dor lancinante. Fiz uma cena, meu pai veio e espremeu o ferrão da minha mão. Depois daquele dia, passei a olhar aqueles bichinhos amarelos-e-pretos com um misto de respeito e temor, e também nunca mais tive simpatia pelo time do Criciúma.

Também existem aquelas primeiras vezes memoráveis, de tão maravilhosas. Alguém aí se esqueceu da primeira vez no Maracanã (isto é, alguém que tenha ido ao Maracanã)? Eu não. Lá pelo final dos anos 80, ou início dos anos 90 - não me lembro bem - meu pai levou seus dois filhos para um emocionante Flamengo x Botafogo. Nessa época, ainda sem a iluminação espiritual que me sobreveio posteriormente, eu torcia para o Botafogo por influência do meu pai. Minha irmã já sofria do mal de ser flamenguista. Pois bem. Lá fomos nós para o Maracanã, que na época tinha estacionamento de pó de pedra, carregando duas bandeiras feitas pelo nosso progenitor: uma preta e branca, e outra preta e vermelha. Bom, quanto ao jogo em si não lembro de muitas coisas, afinal eu era um pirralho, e o resultado da partida até hoje é motivo de controvérsia: minha irmã pode jurar que o Fla ganhou por 2x1, mas eu sei muito bem que foi o Fogão que ganhou por esse mesmo placar. No entanto, o que eu não esqueço é a emoção que senti ao entrar no anel da arquibancada, o me fez me apaixonar de vez pelo futebol.

É claro que também existem aqueles clichês do "primeiro beijo", "primeira relação sexual", "primeiro soco na cara" etc. Contudo, já se falou tanto sobre essas primeiras vezes que seria chover no molhado. E também invadir "Restricted Areas". Como eu não gosto de chover no molhado nem que invadam minhas áreas restritas - sem trocadilho - não vou falar sobre isso. Acho que já deu para dar o gostinho de "primeira vez" nesse site. É o primeiro ingrediente do tempero. O resto da equipe daqui a pouco começa a colocar a mão na massa também, e aí o site vai ficar uma delícia. Até lá, fiquem com o que temos agora e cuidado com as abelhas quando estiverem na piscina!

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Um casal

- Bruno, era camarão. E digo mais: com molho de abacaxi.
- Abacaxi?
- Abacaxi.
- Júlia, esse prato nem existe.

Mas Júlia achava que existia. Não só isso; ela tinha certeza de que fora esse prato que ambos comeram no longínquo jantar do seu primeiro encontro.

- Querida, comemos medalhão ao molho madeira. E eu sei disso por um motivo muito simples: lembro de ter passado quase meia hora pensando em como, sem que você percebesse, limpar a maldita carne de entre meus dentes.
- Ué, camarão também prende no dente. Aliás, abacaxi também.

Ela tinha razão; essa era uma das razões pelas quais ele odiava a fruta. Mas ele tinha um argumento irrefutável:

- Nem sei por que estou me dando ao trabalho de discutir com alguém que confunde a Winona Rider com a Uma Thurman...
- Ai, Bruno! Você é irritante, sabia? Até quando você vai usar isso? Convenhamos, uma pequena confusão dessas não desqualifica a minha memória.
- Júlia, uma é loura e nórdica; a outra é morena e cleptomaníaca. Não há credibilidade mnemônica que resista.
- Você fala de credibilidade, mas não fui eu quem esqueceu 15% dos nossos aniversários.
- Pra isso ela tem uma mente matemática...
- Que bom que você reconhece. Veja: por indução, eu tenho a maior probabilidade de estar correta.
- Ih, não vem com esse papo de lógica não. Quer saber? Em cinco minuto chegaremos ao restaurante, e será tudo esclarecido.
- Isso mesmo! Você vai ver que eles em servem medalhão. O maître resolverá a questão.
- Ou, quem sabe, a Uma Thurman.

Ele riu sozinho, e os cinco minutos restantes foram de silêncio. O mesmo silêncio que antecede as grandes batalhas.

- Chegamos!
- Você vai ver só!
- Teimosa...
- Chato...
- Boa noite! O que os senhores vão querer?
- Camarão com molho de abacaxi, por favor!
- Desculpe, senhora. Nós não temos esse prato.
- Hm, a Uma Thurman deve ter comido tudo...
- Ridículo...
- Como, senhor?
- Er, nada, garçom. Desculpe. Nós vamos querer o medalhão ao molho madeira.
- Lamento, senhor. Mas isso também não está no cardápio.
- Ah, não?
- Não.
- Ahn...
- Mas nós temos ótimas massas.

Comeram o ravioli.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

O mistério do jaguar

Algumas estranhezas chegam de repente, mesmo que sempre tenham estado bem na nossa frente. Na nossa cara. Quase nos mordendo.

No meu caso, a expressão correta é “quase caindo na minha cabeça”, porque falo de um quadro que tenho no meu quarto. Trata-se de uma baía, à noite, vista de uma estrada no alto de uma colina. Na pista, em primeiro plano, um magnífico jaguar azul – o carro, pois onde já se viram felinos azuis? – desfila em alta velocidade. Elegantíssimo.

Agora, a questão é: o que faz um quadro de uma máquina que parece saída da capa da revista Quatro Rodas na parede do quarto de um rapaz que mal sabe distinguir um Astra de um Vectra? O que diabos faz esse adorno na casa desse menino, que, aliás, só sabe que se trata de um Jaguar porque foi alfabetizado e pode ler sem dificuldade a palavra “jaguar” no alto da figura?

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Para descontrair

www.chucknorrisfacts.com. Esse blog anda meio abafado, denso e pesado. Como a vida não é só isso, esse post aqui será humorístico. Esse site aí ao lado é uma das coisas mais engraçadas que vi na internet nos últimos tempos. Como o próprio nome implica, trata-se de uma série de grandes verdades acerca do todo-poderoso Chuck Norris (Patrulheiro Walker, Comando Delta etc). Abaixo, uma pequena seleção, entre as centenas de sábios aforismos do site:

- Quando Chuck Norris cai na água, ele não fica molhado. A água fica Chuck Norris.

- Chuck Norris pode dividir por zero.

- Chuck Norris não faz a barba; ele chuta a si mesmo na cara. A única coisa que pode cortar Chuck Norris é Chuck Norris.

- No seu aniversário, Chuck Norris aleatoriamente escolhe uma criança para ser atirada ao sol.

- O show "Survivor" tinha a idéia original de colocar pessoas abandonadas em uma ilha com Chuck Norris. O programa piloto foi um fracasso.

- Bush estava mentindo sobre as armas de destruição em massa no Iraque. Todos sabem que Chuck Norris jamais esteve lá.

- Chuck Norris pode tocar MC Hammer (Pra quem não entendeu, é o cara que fez a música "Can't touch me").

- Chuck Norris brincou de roleta russa com um revólver completamente carregado e ganhou.

- Chuck Norris é a razão pela qual Wally está se escondendo.

- O rascunho original de Senhor dos Anéis tinha como personagem principal Chuck Norris. O livro tinha apenas cinco páginas.

- Se, por algum estranho paradoxo do espaço-tempo, Chuck Norris lutasse consigo mesmo, Chuck Norris venceria. Ponto.

- Nós vivemos em um universo em expansão. É porque todo ele está tentando fugir de Chuck Norris.

- Chuck Norris pode queimar formigas com uma lupa. À noite.

- Chuck Norris não pode amar. Ele pode apenas não matar.

- Foi Chuck Norris que matou o Cel. Mostarda, na Livraria, com um chute na cara. Quem disser o contrário é um mentiroso.

- Godzilla é uma dramatização japonesa da primeira visita de Chuck Norris a Tóquio.

- Não há rosto por detrás da barba de Chuck Norris. Há apenas um outro punho.

- A Grande Muralha da China foi construída para manter Chuck Norris fora. Falhou miseravelmente.

- Chuck Norris sempre sabe a exata localização de Carmen San Diego.

- Originalmente, Chuck Norris aparecia no jogo "Street Fighter II", mas foi removido pelos desenvolvedores porque todos os botões o faziam dar um chute na cara do oponente.

- Um fato médico pouco conhecido: Chuck Norris inventou a cesariana quando ele chutou o seu caminho para fora do útero de sua mãe.

- Em média, existem 1.242 objetos em um quarto que Chuck Norris poderia usar para te matar, inclusive o próprio quarto.

terça-feira, janeiro 17, 2006

Desabafo de uma alma aleijada

Ao amanhecer parto de novo para a batalha. Nessa guerra perdida, não participo por lutar, e sim para morrer a cada dia. Toda alvorada, me dirijo ao campo de combate, acompanhado de um pelotão de fantasmas do meu passado e futuro; invariavelmente pereço. Sim, é uma guerra perdida. Mas não aceito outra existência.

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Trilha sonora

Cara-caramba-cara-caraô. Era essa a trilha sonora de sua vida; um emaranhado de fonemas que nem chegavam a ser onomatopéias; irremediavelmente inexpressiva.

Jamais amou alguém a não ser por intermédio de poemas e músicas compostas por outros. Supria a necessidade de palavras com indolência, folheando dicionários ou com a despreocupação de quem tem certeza do mundo.

Sabia do Universo como a serpente sabe do céu. Sentia-se vivo, e até olhara para as estrelas duas ou três vezes, mas nem uma vez desejou alcançá-las; seu deserto de sal o fazia feliz.

Sim, jamais conheci alguém mais feliz. Tinha uns olhos honestos e um doce sorriso infantil. Deu a si mesmo para mulheres, filhos, amigos; jogou futebol, ardeu debaixo do sol, e talvez até tenha corrido o mundo. Riu e chorou deveras, ergueu taças e engoliu derrotas; sempre sonhou em visitar um lugar qualquer. Beijou, trabalhou, cantou, se desesperou e dançou. Ah, como dançou! A trilha sonora já conhecemos. Cara-caramba-cara-caraô. Belíssima música

Poeminha verde

No escuro do quarto
Piscou o vaga-lume.
Voou, sobrevoou, revoou.

Iluminado pela fraca luzinha,
O menino esboçou um sorriso;
Nos seus olhos viam-se lágrimas.

Lágrimas verdes
O inseto era a única luz que havia.
Lá fora não tinha lua
E a janela estava fechada.

O menino esboçou seu sorriso
Também verde como o vaga-lume.
Este se aproximou e piscou outra vez
Tão perto que lhe beijou a testa.

Se sorria também, não se sabe;
O certo é que sabia beijar as testas de meninos tristes.

As lágrimas verdes desceram pelo rosto verde,
E o menino, já todo verde,
Quis perguntar ao vaga-lume
Algo de que não sabemos.

Talvez nem ele soubesse;
O certo é que o vaga-lume apagou
E a escuridão voltou.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Biológico

Partiu. Como no perfeito instante antes da combustão de um fósforo ou de uma cantada de pneus, aquilo subiu-me da ponta – da exata ponta – do terceiro dedo do pé direito. Detalhe inesquecivelmente insignificante.

Sim, aquilo; para tal coisa não posso oferecer mais do que um pronome demonstrativo. Subiu, nitidamente, por artérias e nervos, passando por algumas membranas e cartilagens. E logo tomou minha perna uma biológica sensação de plenitude. Eu já não tinha perna; tinha aquilo.

Não foi além; parou por ali e... Sumiu. Silêncio. Contudo, o pequeno hiato só permitiu que eu tomasse um gole de ar e dois “tiques” do relógio; o indefinível logo tomou-me de assalto, pelas costas. Ah, o silêncio! Mera ação diversiva.

Baixara a guarda, de fato, e a punhalada pegou-me de surpresa. Adaga romântica, que nada; foi uma seringa na décima vértebra. A agulha – de uma temperatura indecifrável – injetou-me um quê de inverter o sangue. Engoli em seco. Quase caí para a direita – detalhes sonoros...

Tomadas por aquilo, minhas células vibraram, ferveram, se desencontraram. Eu era todo caos. Cambaleei novamente, e senti, pela primeira vez no mês, o sol da manhã. Olhei para o céu e depois para mim; vi que amava. Amava?

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Pressa

Já tiveste a senhora uma pressa às avessas? Pressa... Aquela ânsia de movimentar-se largo e veloz enquanto se espera um tropeço do tempo. Não, não é dessa que estou falando. Falo daquela de quase querer dormir enquanto o tempo se consome. Pressa elástica, com cheiro de borracha. É a pressa do preguiçoso, não do trabalhador. Em vez de segurar o relógio, empurrar os ponteiros; acordar no dia seguinte e aterrorizar-se com a idéia de que apenas um dia passou. Já tiveste, senhora, uma pressa dessas?

Aposto que sim. Sei que já desejaste saltar cinco anos no tempo. Tenho certeza de que ao menos uma vez te apressaste para abandonar o vazio de um amor perdido. Não para tapar o buraco, mas para ser coberta por ele. Dormir lá embaixo, isolada do céu e do vento, até renascer eras depois, assim como semente mal plantada. É, querida senhora, cada uma de tuas rugas deixa transparecer os anos em que te anulaste, ansiosa por um não-sei-o-quê milagroso.

Mas bem sei que o milagre não veio. A dor permanece, e a pressa aumenta a cada dia. Cinco já não bastam; agora queres que em uma noite passem dez anos, até que o sofrimento desista. Amanhã pedirás por 15, 20, 30... Até que não sobrem mais anos.

Até que não sobrem mais anos. Tens medo, eu sei. É que todas as pressas levam ao mesmo caminho. Umas resistem, e se desesperam para segurar os ponteiros. Outras – como a senhora – arrastam-se pela estrada, acompanhando de longe seus próprios cortejos fúnebres. Embora reconheçam seus rostos nos caixões, não hesitam em continuar; entoam cânticos aflitos e esperançosos. Mas o milagre não vem.

O que levarás, senhora, desta vida que ora te interpela? O que levarás, além do xale de luto e dois ou três sorrisos esmaecidos? Algo mais do que aquela meia dúzia de cartas nunca escritas? Quatro beijos frios? Um porta-retratos roubado?

Ah, senhora, que triste inventário terás de fazer! Trancada no quarto, nos últimos momentos, irás saborear a glória ida e apodrecida. E então, finalmente, apressado ou não, o tempo baterá à porta. Será chegada a hora de pagar os juros de anos e anos dessa estranha e insistente pressa. A moeda? Tristeza, saudade, solidão e, principalmente, uma insuportável sensação de arrependimento.