Partiu. Como no perfeito instante antes da combustão de um fósforo ou de uma cantada de pneus, aquilo subiu-me da ponta – da exata ponta – do terceiro dedo do pé direito. Detalhe inesquecivelmente insignificante.
Sim, aquilo; para tal coisa não posso oferecer mais do que um pronome demonstrativo. Subiu, nitidamente, por artérias e nervos, passando por algumas membranas e cartilagens. E logo tomou minha perna uma biológica sensação de plenitude. Eu já não tinha perna; tinha aquilo.
Não foi além; parou por ali e... Sumiu. Silêncio. Contudo, o pequeno hiato só permitiu que eu tomasse um gole de ar e dois “tiques” do relógio; o indefinível logo tomou-me de assalto, pelas costas. Ah, o silêncio! Mera ação diversiva.
Baixara a guarda, de fato, e a punhalada pegou-me de surpresa. Adaga romântica, que nada; foi uma seringa na décima vértebra. A agulha – de uma temperatura indecifrável – injetou-me um quê de inverter o sangue. Engoli em seco. Quase caí para a direita – detalhes sonoros...
Tomadas por aquilo, minhas células vibraram, ferveram, se desencontraram. Eu era todo caos. Cambaleei novamente, e senti, pela primeira vez no mês, o sol da manhã. Olhei para o céu e depois para mim; vi que amava. Amava?
2 comentários:
"Repete este último parágrafo. Escutem."
E vc ainda acha que não sabe escrever?
que belo poder descritivo! dá pra acompanhar cada acontecimento com riqueza de detalhes (até mesmo quando não há detalhes, a gente sabe). além das sensações mostradas pelas palavras que você coloca: "Adaga romântica, que nada; foi uma seringa na décima vértebra.". até mesmo a incerteza daquilo que a gente pensa ser amor. dá pra se identificar bastante!
parabéns!
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