quarta-feira, janeiro 11, 2006

Biológico

Partiu. Como no perfeito instante antes da combustão de um fósforo ou de uma cantada de pneus, aquilo subiu-me da ponta – da exata ponta – do terceiro dedo do pé direito. Detalhe inesquecivelmente insignificante.

Sim, aquilo; para tal coisa não posso oferecer mais do que um pronome demonstrativo. Subiu, nitidamente, por artérias e nervos, passando por algumas membranas e cartilagens. E logo tomou minha perna uma biológica sensação de plenitude. Eu já não tinha perna; tinha aquilo.

Não foi além; parou por ali e... Sumiu. Silêncio. Contudo, o pequeno hiato só permitiu que eu tomasse um gole de ar e dois “tiques” do relógio; o indefinível logo tomou-me de assalto, pelas costas. Ah, o silêncio! Mera ação diversiva.

Baixara a guarda, de fato, e a punhalada pegou-me de surpresa. Adaga romântica, que nada; foi uma seringa na décima vértebra. A agulha – de uma temperatura indecifrável – injetou-me um quê de inverter o sangue. Engoli em seco. Quase caí para a direita – detalhes sonoros...

Tomadas por aquilo, minhas células vibraram, ferveram, se desencontraram. Eu era todo caos. Cambaleei novamente, e senti, pela primeira vez no mês, o sol da manhã. Olhei para o céu e depois para mim; vi que amava. Amava?

2 comentários:

Anônimo disse...

"Repete este último parágrafo. Escutem."

E vc ainda acha que não sabe escrever?

Anônimo disse...

que belo poder descritivo! dá pra acompanhar cada acontecimento com riqueza de detalhes (até mesmo quando não há detalhes, a gente sabe). além das sensações mostradas pelas palavras que você coloca: "Adaga romântica, que nada; foi uma seringa na décima vértebra.". até mesmo a incerteza daquilo que a gente pensa ser amor. dá pra se identificar bastante!
parabéns!