quarta-feira, junho 13, 2007

Eu gosto de festa junina

Tem sempre um frio bom. Céu estrelado, e árvores pretas. Tem, claro, fogueira, salsichão e retalhos. É tempo de ser criança. Os adultos que me desculpem, mas festa junina é coisa de criança. Todo mundo que é grande vai diminuindo à medida que a fogueira vai acendendo. Adultos não se hipnotizam com fogo, não contam estrelas nem histórias de fantasma. Adultos nem sentem frio.

Roupas de caipira, tem. Dentes pretos e sardas falsificadas. Forró e quadrilha, e sempre alguém que a gente não vê há tempos. Quindim, queijadinha, suspiro, pé-de-moleque, paçoca, cuscuz, canjica, pipoca doce. E gente grande lá come essas coisas? Vai chegando junho, e já sinto uma certa comoção nos núcleos das células. A gente se assusta, mas logo acostuma e vê que é o rejuvenescimento dos festejos. São João, Santo Antônio, e um outro santo de nome também simpático; gente nunca lembra direito qual dia é de quem.

Brinca-se. Tem dança da laranja, seu mestre mandô, corrida do ovo, corrida do saco, e o que mais vier. Pode inventar também. Todo mundo vai, todo mundo é amigo. Quem é que briga debaixo de céu completinho, sem nenhuma estrela faltando? Tem música, feliz, triste, tem gente dormindo cedo. Tem parente, tem vizinho, tem quem ninguém sabe quem é. Tem é muita alegria. Festa junina é um grande abraço na gente.

Crônica?

Não consigo escrever com música ao fundo. Aliás, tenho notado que pouco posso fazer com alguém cantando. Seria uma espécie de incapacidade e atraso mental em relação à nossa espécie, que hoje em dia parece precisar de mais um punhado de braços para aproveitar todo o seu potencial de ações simultâneas? Ou - hipótese que me deixa bem melhor - é porque não consigo deixar de prestar atenção em qualquer conjunto fajuto de notas e acordes? Se esse texto fosse um desenho animado, ilustraria a idéia com um braço de música (cheio de notinhas flutuantes) me puxando pelas orelhas, que seriam as de algum animal. No entanto, cá estou eu, ouvindo Adriana Calcanhotto e sua voz límpida. E escrevendo essas letras bobas. Realmente, crônica não é o meu forte. Mas qual seria o meu forte, então? Silêncio constrangedor.

domingo, junho 10, 2007

O bom de se ter um blog

O bom de se ter um blog só seu é que você pode escrever as maiores picaretices do mundo, sem nem precisar piscar os olhos. Ser idiota por escrito é fascinante.

O quindim

O quindim é um doce
Gostoso assim
E amarelo

sexta-feira, junho 08, 2007

Entre aspas

"Não, não nos amamos. Mas ela quase me faz pensar que o amor é supérfluo."

sexta-feira, junho 01, 2007

A flauta mágica

Vê-se apenas uma haste prateada, em cuja superfície brincam alguns dedos e reflexos do sol. Além, a janela e o mundo inteiro que aguarda a música e o silêncio. Pois se só lhes mostro isso é porque o dono dos dedos e dos reflexos – o flautista e o sol, respectivamente – não são fundamentais para se entender o que acontece naquela ruela de paralelepípedos, que de paralelos não têm nada. Sobrados até onde a vista alcança, e muitas padarias, e muitas quitandas, e muito cheiro de pão e de poeira. Calçadas com crianças, janelas abertas com floreszinhas vermelhas nos parapeitos de madeira pintada de verde-escuro. Nessa ruela, ainda andam bicicletas, e os garotos ainda machucam os joelhos. Avôs jogam damas na calçada, e avós compram laranjas na vendinha, mas na ruela de paralelepípedos, ninguém nunca – e eu digo nunca nunquinha mesmo – se apaixonou. Na ruela de paralelepípedos tem pardais e rolinhas, mas não há histórias de amor. Nada de sobrenatural, apenas coisas do destino.

Ouve-se um fá. Depois um lá. As primeiras notas da flauta de prata são despretensiosas, não aquecem a vida já tão querida da ruela de paralelepípedos. São as primeiras notas de uma valsinha. As avós pagam as laranjas na vendinha, e mais um garoto machuca o joelho. Passado o prelúdio, a valsinha desata num três-por-quatro de saltitar passarinhos. Até a poeira do cheiro de poeira pensa que bonito de som, e todos se alegram um pouco, mas seguem suas vidas. Onde já se viu parar um jogo de damas por causa de uma valsa? Três bicicletas passam, cantarolando junto com o flautista, e mais um garoto machuca o joelho.

E então, no meio da primeira parte, quatro pardais saem de cena, e o rapaz de olhos grandes dobra a esquina e, com sua sacola de compras, entra na ruela de paralelepípedos. Do outro lado, a menina de saia rosa-chuvoso entra calada. Mais um garoto machuca o joelho. Nem os dedos nem os reflexos do sol acham que a valsa corta joelhos de meninos, então prossegue para a segunda parte, lenta como uma chuva em câmera lenta. Três laranjas, pede uma avó na vendinha. Enquanto isso, o rapaz de olhos grandes os fecha com dificuldade, cansado com o peso das sacolas. Pisca. Dá bom dia para uma bicicleta que por ali valsava, e caminha, pois o que fazer além de caminhar, numa rua? A menina de saia rosa-chuvoso suspira como uma boneca que de repente ganha vida, e imagina que mamãe a espera. O que fazer quando mamãe espera a não ser andar? Anda a menina de saia rosa-chuvoso.

O rapaz, cabisbaixo e louco pra chegar; a menina, pensativa. Distraídos, são pegos de surpresa pela valsinha que serpenteava ruela abaixo e ruela acima. Os dedos e os reflexos animam-se, o sopro aumenta num crescendo, e a valsa acelera, saltita de novo, e estaca. Uma notinha só, suspensa e tremida, levanta os olhares do rapaz de olhos grandes e da menina de saia rosa-chuvoso. Quando o terceiro garoto machuca o joelho, eles já estão quase de frente um para o outro. Viram-se na passagem para a terceira parte da música. Modula-se a harmonia; a terceira parte é em tom menor. Os dedos e reflexos na haste de prata movem-se devagar, sentidos, chorosos e saudosos do início dos tempos, como todos os tons menores parecem ser. Viram-se. Cruzaram olhares e suspiros. Ambos sentiram cheiro de flores, aproximaram-se. O rapaz esquecia do peso, a menina era só sonhos. Nenhum garoto machucava o joelho mais. Avôs e avós pararam seus jogos e suas compras. As bicicletas recusaram-se a andarem sozinhas. Era só estenderem os braços, e a ruela mudaria de cor.

Mas não dependia deles. A flauta mandava, os dedos e os reflexos guiariam a ruela de paralelepípedos até onde quisessem. E já haviam prolongado demais a valsinha. Desceram do alto da haste de prata, nos mais agudos pios que só os menores passarinhos podem emitir, até embaixo da terra, desceram cambaleando na escala, e a valsa saiu de compasso. Improvisava-se um desencontro, num fraseado escorregadio e algo histérico. Já longe ia o rapaz de olhos grandes, com suas sacolas pesadas. E a menina de saia rosa-chuvoso nem se fala. Não culpemos a valsa, nem os dedos, nem os reflexos. Passou. A próxima música parecia que seria um baião. E foi exatamente na primeira nota que mais um garoto machucou o joelho.