sexta-feira, janeiro 06, 2006

Pressa

Já tiveste a senhora uma pressa às avessas? Pressa... Aquela ânsia de movimentar-se largo e veloz enquanto se espera um tropeço do tempo. Não, não é dessa que estou falando. Falo daquela de quase querer dormir enquanto o tempo se consome. Pressa elástica, com cheiro de borracha. É a pressa do preguiçoso, não do trabalhador. Em vez de segurar o relógio, empurrar os ponteiros; acordar no dia seguinte e aterrorizar-se com a idéia de que apenas um dia passou. Já tiveste, senhora, uma pressa dessas?

Aposto que sim. Sei que já desejaste saltar cinco anos no tempo. Tenho certeza de que ao menos uma vez te apressaste para abandonar o vazio de um amor perdido. Não para tapar o buraco, mas para ser coberta por ele. Dormir lá embaixo, isolada do céu e do vento, até renascer eras depois, assim como semente mal plantada. É, querida senhora, cada uma de tuas rugas deixa transparecer os anos em que te anulaste, ansiosa por um não-sei-o-quê milagroso.

Mas bem sei que o milagre não veio. A dor permanece, e a pressa aumenta a cada dia. Cinco já não bastam; agora queres que em uma noite passem dez anos, até que o sofrimento desista. Amanhã pedirás por 15, 20, 30... Até que não sobrem mais anos.

Até que não sobrem mais anos. Tens medo, eu sei. É que todas as pressas levam ao mesmo caminho. Umas resistem, e se desesperam para segurar os ponteiros. Outras – como a senhora – arrastam-se pela estrada, acompanhando de longe seus próprios cortejos fúnebres. Embora reconheçam seus rostos nos caixões, não hesitam em continuar; entoam cânticos aflitos e esperançosos. Mas o milagre não vem.

O que levarás, senhora, desta vida que ora te interpela? O que levarás, além do xale de luto e dois ou três sorrisos esmaecidos? Algo mais do que aquela meia dúzia de cartas nunca escritas? Quatro beijos frios? Um porta-retratos roubado?

Ah, senhora, que triste inventário terás de fazer! Trancada no quarto, nos últimos momentos, irás saborear a glória ida e apodrecida. E então, finalmente, apressado ou não, o tempo baterá à porta. Será chegada a hora de pagar os juros de anos e anos dessa estranha e insistente pressa. A moeda? Tristeza, saudade, solidão e, principalmente, uma insuportável sensação de arrependimento.

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