quarta-feira, maio 11, 2005

Conversa fiada

"Qual é a cor da sua cueca?"

Para o Souza, essa pergunta caía muito bem em qualquer conversa fiada. Uma vez, no elevador: "Tá calor, não?". "Pois é. Qual a cor da sua cueca?". Todo papo-furado era a mesma coisa. Quando mudava o sexo do seu interlocutor, mudava o gênero da roupa íntima. Mas invariavelmente vinha pergunta, fosse no ônibus, elevador ou fila de banco. Era uma mania, aliás, e não sou eu quem diz isso. O próprio Souza dizia. Para você, leitor, que no momento ri - ou, no mínimo, balança a cabeça negativamente -, ele argumentaria: "Como vou saber a coloração da peça íntima de alguém sem perguntar? Pelo menos - na maioria dos casos - elas estão escondidas. O que é estranho, pra mim, são aquelas pessoas que perguntam do frio quando todos sabem que está frio. Estou errado?". Caso a fala fosse realmente do Souza - e não uma imitação zombeteira dos colegas de repartição - ainda teria aquele "Hein?" triunfal no final da frase. Se você ainda está rindo, é porque nunca ouviu aquele "Hein?".

Mas, de qualquer forma, não vou dizer que essa mania do Souza lhe rendeu amizades ou admiração; rendeu-lhe esse conto, ao menos. Póstumo. Pois sim, o Souza já partiu dessa pra uma melhor. Pobre Souza. No seu velório, fizeram-lhe um belo discurso, proferido pelo Freitas, da repartição. Sempre pensei que os discursos - quando haviam - eram feitos no enterro. Mas enfim, esse foi no velório. Ao fim de 5 minutos de verborragia alguns choravam; outros riam; a maioria fazia as duas coisas. O danado do Freitas mencionara a mania do Souza. Pobre Souza. Sempre pedira para ser enterrado com a bandeira do Brasil, que tanto amava. Meteram-lhe debaixo da terra com um punhado de cuecas.

4 comentários:

Anna Carolina disse...

Acordou inspirado, hein!
Gooood.

Anônimo disse...

Qual é o dia do lançamento do livro de contos?
Muito bom!

Anônimo disse...

Adorei este texto com um q machadiano...rs!!! Acertou total no tom cômico!!!!
Os contos estão ótimos!!!

Anônimo disse...

Poxa, por que não enterraram o Souza com uma bandeira feita de cuecas?
Po, sacanagem, ia elogiar as referências machadianas do texto, mas a ana falou antes :( Assim não dá, agora vou parecer copiona...