domingo, outubro 14, 2007

Se quiseres, fica

Imprecisão e sobressaltos. Eterno perguntar-se. Para aqueles devotam seus olhares aos detalhes; cujos olhares involuntariamente atentos percebem significâncias tão notáveis quanto quase inexistentes; que ouvem gritos no maior dos silêncios; para esses está garantida uma vida de incertezas. Pois se é fato que nos detalhes se escondem grandes verdades, não é menos certo que a sutileza é a mãe da sombra sem dono, da palavra sem boca, das certezas sem pé. O caminho desses é o do quase saber. Não conseguir olhar direto pro sol. Gente assim é como se só enxergasse o mundo com o rabo de olho.

É no cantinho de nossa humana visão que se escondem o nada e também os grandes tesouros. É como se nada de realmente belo pudesse ser visto e encarado de frente. As coisas que realmente valem a pena não se nos revelam, são teimosas e brincalhonas. Que mundos de possibilidades se abrem num simples toque entre duas pessoas! Os olhares são quase rudes perto da insinuação contida no comportamento de mãos quando se encontram, ou mesmo quando se soltam. É como se tudo na gente falasse abertamente, tagarela, por apenas um milésimo de segundo. "Ouvi isso mesmo?" Ah, quantas promessas perdem-se por aí, largadas no asfalto, porque não foram ouvidas essas vozes sem peso, sem ar? E quantas outras tornam-se uma ridícula decepção, pois eram apenas impressões, soltas, excesso e lixo de realidade?

Nunca dorme direito, quem observa o mundo desse jeito, com lentes de aumento. Está sempre indo do riso ao choro; num dia garimpa um diamante; noutro, colhe orgulho ferido. Mas nunca, nunca abre mão do seu modo peculiar de ver e viver. Não, não esquece. Essa pessoa não esquece aquele olhar subitamente desviado no domingo, ou aquela inexplicável momentânea timidez na despedida daquele sábado de verão. Não esquece jamais a mão que largou a sua, quem sabe a dizer: "se quiseres, fica a segurar-me, que estarei feliz".

6 comentários:

Stephanie disse...

este é, sem dúvida, um dos melhores textos publicados neste blog desde que você começou com suas firulas.

=)

beijo

Anônimo disse...

"Se quiseres, fica..." Esse texto fez vir na minha cabeça um turbilhão de detalhes... E causou uma tal sensação que ainda estou interpretando, mas tem algo de boa...

Malu (pausa para viagem...é preciso!)

Anônimo disse...

Caramba Bernando!

Agora fiquei sem ar com O retrato super cretino da esperança... Putz! Tu escreve muito bem. Quero ser como você quando crescer...

Bjos

Vou sair desse blog, não estou podendo com fortes emoções no momento... O presente me exige doses cavalares de racionalismo.

Taí, vou levar esta última frase para o Malu de Bicicleta... Ficou boa! rsrs

Selvageria disse...

"Ah, quantas promessas perdem-se por aí, largadas no asfalto, porque não foram ouvidas essas vozes sem peso, sem ar? E quantas outras tornam-se uma ridícula decepção, pois eram apenas impressões, soltas, excesso e lixo de realidade?" Bravo, meu amigo! Esta é a habilidade de distinguir o sutil do espesso, como cantou Jorge Ben na magnífica "Hermes Trismegisto". Essa sutileza e esses exageros são para os que têm tinta no sangue e, como eu já sabia, vc tem de sobra.

Adorei o texto. Tenhamos a coragem de ver com os olhos desvendados, de sofrer um pouquinho pelo privilégio de pensar um pouco além. Um grande abraço meu amigo, o "firulas" agora é um dos meus portos. Nos falamos.

Mari disse...

agora faço como você: ah, bernardo... foi exato e preciso.

beijos

Unknown disse...

E olha que até mesmo um cego é capaz de sentir o seu texto.........
Abraço