domingo, outubro 07, 2007

Roda viva

O recomeço - todos sabem - é uma bênção. Esse clichê é que nem aquele móvel empoeiradíssimo, mas não sem o seu charme cinzento de quem já esteve limpo há uns cinco séculos. Tem gente que é alérgico a clichês; eu não. Espirro com poeiras e ácaros da vida real, não da vida metafórica.

Mas não é nem de recomeço que vim falar aqui. Eu sei na pele que a bendita linguagem e entendimento humanos inventaram a sensação de frescor de um reinício, da nova chance, do ano novo. Todos aqueles com idade acima de 1 ano conhecem bem a sensação. É uma concessão para jogar tudo embaixo do tapete e começar de novo. Começar a sujar e emporcalhar tudo de novo, os leitõeszinhos que somos (ou que podemos ser, pra não soar muito como um velho ranzinza que bate com a bengala em tudo o que é humano).

Mas pois. O fato é que a idéia de recomeço implica na idéia de circularidade. Como todos sabemos, círculos são redondos, circulares. Pois bem. Se tudo o que começa termina, por que o que o se renova não deveria também terminar? Acho que ninguém nunca pensou nisso, senão o Houaiss mostraria o termo "refim" entre a palavra "refilo" e o antepositivo "refin".

Baboseira, eu sei. Mas, cá pra nós, esse blog não é todo uma grande besteira, um "oco palavrório"?

Continuemos pois, a lamentação. Uma das muitas ironias dessa vida é que, ao mesmo tempo em que nossa visão cíclica das coisas nos dá alento, ela também nos afronta e exaspera, com a recorrente repetição de certas decepções e zombarias do destino. Porque, assim como uma moeda atirada dificilmente cairá em pé, a roda viva do mundo também tem a péssima mania de não ter lá muito equilíbrio em suas finas e atrofiadas pernas. O que está bem está suscetível ao desastre; o que está mal geralmente está tão cansado que prefere o ano novo chegar e trazer seus doces e suas pílulas milagrosas, como um Papai Noel doidão, vendedor de ácido lisérgico.

E assim sempre. Esse negócio de linearidade histórica acho que é um grande balela pra pensador vender livro. No fundo a gente ainda vê a existência como os antigos, e o tempo é uma grande bola de futebol, um bambolê, uma pizza giratória, um cachorro correndo atrás do próprio rabo, e quantas outras comparações circulares você quiser. Dizem as provas de física dos vestibulares: "desconsidere a resistência do vento e o atrito". Assim é a vida, nada pára o seu rodopio entediante, estonteante e - por que não? - às vezes inebriante. Giremos em torno de nossos próprios eixos, resignados, portanto. Ou isso, ou nada.

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