terça-feira, fevereiro 13, 2007

Revisitando velharias IV

Esse é de fevereiro de 2006, e não tem título.

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O jogo é Botafogo X Flamengo, e não parece muito importante. É sábado de carnaval e início do returno do Campeonato Carioca. Segunda rodada, para ser mais exato. Além disso, o Maracanã está em obras, sem a geral nem as cadeiras comuns; o Maracanã não é bem ele mesmo.

Entretanto, para aquele rapaz que vemos ali, quase cantando o hino do Botafogo, esse jogo tem algo de especial. O clássico desse sábado tem o imperceptível sabor da esperança inconsciente, daquelas que só se revelam depois que alguém escreve a nossa história.

Já disse que ele quase canta o hino do Botafogo. Quase. Não pode, ainda que às vezes a torcida o contagiasse a ponto de querê-lo. Mas não: era vascaíno. Como todo bom bacalhau, era antiflamenguista, e gritava e cantava com a torcida botafoguense. Menos o hino; hino de time é coisa sagrada, à qual se deve respeito e fidelidade.

Mas o que faz ele numa batalha que não era dele? Revive. O que esse jogo tem de especial? Relembra. Botafogo X Flamengo havia sido a primeira partida que assistira na vida. Há mais de quinze anos, botafoguense por influência do pai, pisara na arquibancada do Maracanã pela primeira de muitas vezes. Lembro que portava uma bandeira alvinegra, feita pelo pai. Havia ido com o pai. Torcera com o pai. E o Fogão vencera por 2x1.

Mais de quinze anos depois, era com o pai que ele vinha; era com ele que torcia. E aquela repetição gostosa o fazia lembrar-se dos anos passados. Um tempo de Maracanãs lotados, voltas pra casa festejantes... Hoje ele acha que o Vasco não dura muito mais tempo na primeira divisão; o Botafogo não sai da lama há tempos. Nas voltas pra casa, só encontra a casa vazia, e, agora, pintada de branco. Sem manchas de pé, rachaduras, umidade: uma mão de tinta na infância em família. Também sua casa não é bem ela mesma.

Mas lá estavam os dois: cantando – ou quase cantando – o hino do Botafogo. Felizes, o juiz apita o fim do primeiro tempo, e o placar mostra os mesmos números de antes: Botafogo 2, Flamengo 1. Tudo se repete, exceto a bandeira preta-e-branca, os assentos de concreto e a escalação das equipes; ele não duvida de que até o vendedor de Mate Leão seja o mesmo. É nesse ponto que – ele nem percebe – surge a ilusão esperançosa de que as coisas voltem ao seu lugar. Ao olhar para o lado, ele começa até a sentir familiaridade no rosto do pai, antes tão estranho e distante de quinze anos atrás. E as paredes de casa ainda estão sujas (o Flamengo não está jogando nada). Pode até ouvir os passinhos metálicos da sua cachorra – morta há tempos – correndo pelo quintal depois do jogo, enfurecida com os fogos alvinegros (o Flamengo não está jogando nada).

Todavia, amanhã era o vôo de volta do pai. No domingo de carnaval ele partia para longe, onde nem importa onde seja. Ademais, ainda tinha o segundo tempo. E o segundo tempo veio, não com a força de um dilúvio, mas a de um sutil traidor; daqueles que, de dentro, abrem os portões da cidade para o inimigo. A defesa botafoguense vacilou, e o Flamengo – eterno anticristo do futebol carioca – não tardou a empatar e virar o jogo. Botafogo 2, Flamengo 3. Amanhã os jornais vão culpar o lateral-direito do Botafogo; ou a garra rubro-negra. Eu acho que não tinha como ser diferente.

Ninguém mais canta o hino. Parece que os pais de quinze mil botafoguenses irão voar para longe amanhã, e todos querem voltar logo para se despedir. A massa flamenguista fica; o rapaz e seu pai vão para São Cristóvão pegar o trem. A casa alvíssima os espera.

5 comentários:

Fransueldes de Abreu disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fransueldes de Abreu disse...

Bonito... Dois jogos:um fora dele e outr dentro dele. Mas às vezes é o mesmo jogo!

Bruna Maria disse...

Texto muito legal, muito bom na verdade. Tem várias coisas que dá pra comentar.
O que eu mais achei interessante foi como você colocou dois tempos em conflito - o tempo do primeiro jogo com o pai, e tudo que envolvia essa época; e o tempo atual com suas modificações. Adoro essas coisas!

Beijos!

Anônimo disse...

flamengo é sempre flamengo, ou seja, carrasco impiedoso. rs...

disputas à parte, o que mais gostei foi da relação entre o narrador e seu pai somado ao tom nostálgico.

Anônimo disse...

Acho q realmente naum saberia escrever pra ti, comentaum o seu texto, o q escreves, enquanto eu apenas sinto o q passaste!!
Abraço!!!E escreve sobre a sinceridade da Aurora, sinto q é o q desejas!!!!hauahuahuahuahuahua