sexta-feira, maio 26, 2006

Incomum deficiência

Além de tudo, sofro da incômoda incapacidade de ser triste. Uso palavra mais que certa: pra onde vai tanta falta de dor? O homem também é sofrer, e não sofrer é algo incapacitante. Será que é isso que explica a minha teimosa magreza? Tristeza longa, mastigada e remoída, é guardada física, no corpo, depois de digerida por lágrimas e gestos de desespero? Penso, com lamentação, que jamais passarei dos 60 quilos.

Porque às vezes tudo o que a gente quer é ser miserável; martelar as têmporas com a roxa e desbotada pena de si mesmo, ignorante por opção, derrotado por gosto. Sentir-se assim por uns tempos acho que serve como limpeza; um purgante de males que, se ficarem rondando nossa alma, acabam matando tudo, inclusive o corpo. Então a gente se degrada a esse nível – até que aceitável – de multiplicação da dor sofrida, como que pra levantar a si mesmo a algum patamar gratificante. Patamar de quê não importa; basta que esteja acima de nossas cabeças – e, se der, acima das cabeças alheias. Em outras palavras, o sofrimento tem um quê dignificante. Ressalta a nossa humanidade; é um facho de luz sobre o ego, que de outra forma permaneceria na escuridão. Afinal, por que não ser fraco, mesquinho e pequeno? Por que insistimos na nobreza da superação e da sabedoria?

Mas esqueça tudo isso. Não tenho nada de nobre. Nasci com um cromossomo a menos, e por essa descoberta agradeço aos geneticistas. Graças a eles desconfio do mal que me acomete. Esqueceram-se de desenhar em mim a mais torpe capacidade humana, que não é nem bem a de ser triste, mas a de continuar triste. Em cerca de 24 horas, a melancolia já é uma distante memória, e lá estou eu rindo de piadas sem-graça. O que me leva a pedir que não levem mais de um dia para me enterrar, porque, se demorar muito, terão que lidar com o incômodo ato de velar um morto sorridente. Droga.

Um comentário:

Anônimo disse...

É a sina dos que sorriem demais: morrer e sorrir. Porque, provavelmente, a gente já deve ter visto algo de engraçado na passagem desse mundo para o outro, aí não aguenta e abre aquele sorriso que não pode ser largo porque estamos num velório. No nosso próprio, ainda assim, um velório.

Mas, acredito eu, que é muito mais fácil ser triste do que ser feliz. Treinar a tristeza para os momentos da vida é muito mais simples que domar felicidade. Acha não?