quinta-feira, março 02, 2006

Pequena Parábola - Parte I

Enxotado, com as roupas puídas, arruinado, Pedrinho chorava que dava dó. Mas sua mãe só iria voltar bem mais tarde, e ele, na falta de colo, tinha que se contentar em chorar na sua cama com colcha do Batman. Como havia chegado a esse ponto? Ele não se conformava.

***

Tudo começou quando, um dia, a correspondência chegou, e sua mãe não estava em casa. Entre contas de telefone, água, luz e anúncios de promoções no mercado da esquina, lá estava uma caixinha de papelão. Hermeticamente embrulhada num plástico transparente, endereçada à mãe e sem a menor pista de seu conteúdo, era demais para resistir.

Primeiro cuidadosamente, tentando rasgar com o canino as bordas do plástico, depois, já bem impaciente, arrancando tudo que o impedia de abrir a caixinha, Pedrinho olhou seu conteúdo. Ah! Então era assim que mamãe arranjava tanto remédio!

Aqui cabe um parêntese. Ei-lo: (A mãe de Pedrinho era médica e, como tal, recebia regularmente uma certa quantidade de amostras grátis.)

Embalagens verdes, amarelas, faixas vermelhas; comprimidos, conta-gotas, colheres de plástico. Tinha de tudo dentro da caixinha; Pedrinho ganhara na loteria. Suas brincadeiras haviam recebido um “plus a mais”, como dizia sua irmã.

Logo seus bonecos, em suas intermináveis guerras sanguinárias, tinham que lidar com um arsenal extenso de armas químicas, perigosíssimas para a vida na Terra. Se aquele tubo de Eritromicina caísse em mãos erradas... E quantas vidas foram salvas porque o médico do pelotão tinha uma ampola de Buscopam nas mãos? Como podemos ver, a única conseqüência do achado do Pedrinho havia sido o avanço tecnológico de suas tropas combatentes. Até que um dia...

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