sábado, setembro 22, 2007

Da série "Suspiros"

“Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão.”

Chico Buarque – As Vitrines


Efeita-se de mundos. Mentira ou ingenuidade, limitar seus adornos às gavetas da penteadeira, ao estojo de maquiagem. Até um sopro de vento e um vôo de pássaro enfeitam a mulher que intriga. Ela nasceu a mais filha das filhas da Terra. É tudo dela; se passa é o chão que a embeleza, e não menos o próprio ar que a perfuma.

A mulher que intriga, que enreda, que emaranha-se em nossos pensamentos. Todos nós sabemos dela como se sabe de uma memória antiga. Aquelas carimbadas dentro do estômago. Lembramos de tudo, mas não sabemos descrever um centímetro dela. Porque a mulher que intriga é assim mesmo: meio invisível pra quem olha, mas inevitável para quem sente. Inconfundível no seu próprio mistério.

Essas mulheres nem sabem de si mesmas. Nasceram; é tudo o que sabem. Não fazem idéia de que o mundo é seu. Quando se vêem no espelho, sorriem desconfiadas e incrédulas. Quando tentam lhes contar a sua ascendência divina, desentendem-se. Pensam em brincos e lábios. Nunca se apaixonam por si mesmas.

E há uma delas a cada esquina. Sempre uma surpresa, encontramos onde nunca esperamos. E ela logo passa. Está sempre caminhando, a mulher que intriga. Sempre passando, indo, a gente nunca sabe pra onde. Geralmente de cabelos soltos, pois estes guardam mais segredos.

O que a gente faz com elas? Não sabemos, não sabemos. Acho que não fazemos é nada. Nem sei se elas nos fazem bem ou mal. Até hoje o máximo que me aconteceu foi terem roubados minutos e minutos do meu dia a olhar pra elas.

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